A LUTA PELO VOTO UNIVERSAL


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Edmo Cunha *
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O exercício do voto tem uma história que remonta a milhares de anos. Numa época em que muitos não dão o devido valor a esta conquista da cidadania, alguns até mesmo chegando a pregar a abstenção geral, vale a pena fazer uma retrospectiva das importantes lutas que marcaram a humanidade, em busca da democracia e do sufrágio universal.
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O surgimento do voto
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A longa e conflituosa evolução da prática democrática costuma ser pesquisada pelos estudiosos a partir da Grécia antiga, há mais de 2.000 anos. Naquela época, se construiu um importante sistema político, baseado na consulta a uma parte da população que vivia nas cidades-estados. A pequena dimensão territorial destes estados permitiu que neles se construísse uma organização social, política, econômica e cultural avançada e autônoma.
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Em algumas destas cidades-estados, aqueles que eram considerados “cidadãos” se reuniam em praça pública (chamada de ágora), para tomarem decisões de interesse da comunidade. Atenas foi a principal delas. Embora esta já seja uma prática de “democracia direta”, os votantes ainda eram poucos, pois só participavam os homens ricos, ficando impedida de votar a maior parte da cidade, constituída por mulheres, escravos, estrangeiros e pobres.
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A conquista da Revolução Francesa
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A Revolução Francesa retomou alguns dos ideais gregos de democracia, em 1789, expressos na "Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão". Embora a ampliação do direito ao voto ainda não tenha incluído todos os cidadãos, houve o reconhecimento da igualdade entre as pessoas e foram lançadas as bases para que, mais tarde, fosse instituído o sufrágio universal.
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Os movimentos sociais franceses deram outro importante passo no memorável ano de 1848, quando as barricadas de Paris levaram a Assembléia Nacional a editar o decreto de 5 de março, revogando o voto censitário e criando o voto do cidadão comum. O pobre e o operário passavam, a partir de então, a ter o mesmo direito dos ricos e aristocratas, através do princípio de “um homem, um voto”.
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As lutas pelo mundo
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As conquistas dos operários e pobres franceses repercutiram rapidamente pelo mundo, para desespero das elites de cada país. A idéia de que “o voto do operário tinha o mesmo valor que o voto do patrão” abalava todos os sistemas políticos do planeta, construídos sob a égide de uma minúscula classe dirigente, formada apenas por nobres, proprietários, clero e banqueiros.
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Os setores médios e os movimentos sociais dos demais países foram sucessivamente reivindicando os mesmos direitos. Marcadas por conflitos, revoluções e mortes, cada nação foi construindo sua própria história, numa disputa permanente entre os conservadores e aqueles novos atores sociais que foram se fortalecendo ao longo dos séculos XIX e XX.
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História do voto no Brasil
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A primeira eleição de que se tem notícia no Brasil, após a chegada dos portugueses, se deu em 1532, para a criação do Conselho Municipal da Vila de São Vicente. O processo obedecia às Ordenações do Reino, que previam a eleição dos administradores das localidades sob o domínio português, e aconteceu em nível local (vilas e cidades) até a independência. Mas somente votavam os grandes proprietários com mais de 25 anos, ficando excluídos os índios, escravos, pobres, assalariados e mulheres.
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A independência manteve o voto como privilégio dos ricos, que ampliaram ainda mais o seu poder, ao elegerem também deputados provinciais, deputados gerais e senadores. Mas as eleições eram realizadas em dois graus: os cidadãos das freguesias escolhiam os eleitores das paróquias e estes elegiam os deputados. Em 1875, na Província de Minas, a mais populosa do país, com 2 milhões de habitantes, votavam apenas 1.931 cidadãos. Em 1881, a Lei Saraiva instituiu o voto direto.
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Com a República, deu-se a primeira votação direta para presidente, mas durante a “Velha República” prevaleceram ainda as eleições não secretas, realizadas “a bico de pena” e rigidamente controladas pelos coronéis. Manteve-se, então, o longo processo de lutas, para que o voto fosse paulatinamente se estendendo ao restante dos cidadãos.
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O voto das mulheres
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Na Assembléia Constituinte Republicana de 1891, o Brasil perdeu a oportunidade de se tornar o primeiro país do mundo a adotar o voto feminino, depois de várias tentativas de aprovação. A primazia acabou ficando com a Nova Zelândia, em 1893, após longas e renhidas batalhas em várias partes do mundo. Em 1918 é a vez da Inglaterra, ao término da decisiva participação feminina na Primeira Grande Guerra. Em 1919, o Congresso dos Estados Unidos também aprova o fim da discriminação.
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Na América Latina, o primeiro país a conceder o voto às mulheres foi o Equador, em 1929. No Brasil, a emancipação feminina teve várias precursoras, como Leolinda de Figueiredo Daltro (BA), Nathércia da Cunha Silveira (SP), Bertha Lutz (SP) e Elvira Komel (MG). Em Minas Gerais, ocorreu o primeiro voto feminino do Brasil. Em 1905, três mulheres se alistaram e votaram, mas ainda foi um caso isolado. O Rio Grande do Norte foi o primeiro estado a reconhecer oficialmente este direito, elegendo também a primeira prefeita do Brasil, em 1928.
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Em 1932, é instituído o Código Eleitoral Brasileiro, que prevê finalmente o voto das mulheres. Em 1933, na eleição para a Assembléia Nacional Constituinte, é eleita a médica paulista Carlota Pereira de Queiróz, primeira deputada brasileira.
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O sufrágio universal no Brasil
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Somente na Constituição de 1988 o Brasil finalmente reconhece o direito de voto aos analfabetos, estendendo-o também aos jovens a partir de 16 anos. Após centenas de anos e ao custo de milhares de vidas, o país dá um passo importantíssimo para este avanço da cidadania.
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Como dito no início, muitos ainda não se deram conta das lutas para se chegar a esta conquista histórica. Apesar dos defeitos do atual sistema e principalmente da demora para que ocorram as transformações, é necessário valorizar as conquistas da sociedade brasileira e internacional, rumo ao aperfeiçoamento das suas instituições políticas.
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Mas os desafios permanecem para as novas gerações, com destaque para a concretização efetiva dos direitos à “Democracia Participativa” e à “Democracia Direta” (já inscritos na Constituição brasileira de 88), a fim de que continue o aperfeiçoamento do sistema político e a inclusão de inúmeros setores ainda inexplicavelmente excluídos social e economicamente.
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* Consultor em Gestão Pública e Social e membro do Fórum Mineiro pela Reforma Política
edmocp@uaigiga.com.br
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