CONSTRUÇÃO DEMOCRÁTICA

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Patrus Ananias, Ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome
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O Brasil, considerando os limites da época – entre eles o problema da escravidão –, começou bem a sua trajetória como Estado nacional. Tivemos a promissora experiência de uma Assembléia Constituinte convocada pelo príncipe regente em 3 de junho de 1821. O processo constituinte, infelizmente, foi interrompido pelo golpe de 12 de novembro de 1823. Em seguida, dom Pedro I outorgou a Constituição de 1824, que incorporava princípios liberais discutidos e aprovados na Assembléia Constituinte, mas que ao mesmo tempo consagrava o poder moderador, conferindo ao imperador um arbítrio pessoal acima dos poderes constituídos. A dissolução da Constituinte reviveu as chamas maldormidas dos revolucionários pernambucanos de 1817, que retornaram as armas contra o poder absolutista do imperador sete anos depois. A Confederação do Equador foi duramente reprimida e Frei Caneca, precursor das idéias democráticas entre nós, foi fuzilado.
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Ainda em 1824, dom Pedro convoca eleições para a primeira Câmara dos Deputados do Brasil, que só veio a instalar-se em 1826. Esperava o imperador ter a Câmara sob controle. Seu projeto fracassou. Entre os eleitos estava o mineiro Bernardo Pereira de Vasconcelos, jurista e orador dotado de superiores qualidades políticas e intelectuais e naquele momento afirmando vigorosas convicções liberais, garantindo com a sua ação parlamentar o incipiente processo de consolidação do Parlamento e das liberdades públicas. Ele confrontou o imperador nas suas recaídas autoritárias, despertando e mobilizando na opinião pública os sentimentos de nacionalidade e de respeito aos princípios constitucionais que levaram o imperador à abdicação, à revolução inacabada de 7 de abril de 1831.
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Curioso, para nós, é que Vasconcelos, a despeito de sua postura liberal, era um defensor da escravidão, vista como direito de propriedade, e dos interesses privados. Um reflexo da contradição política da época. A mesma contradição presente em outra grande personalidade histórica do período: José Bonifácio. Ele foi a primeira pessoa que pensou um projeto nacional para o país, mantendo uma concepção avançada na defesa da abolição, ainda que gradual, e do uso racional da terra; mas era autoritário nos métodos políticos.
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O tempo das regências foi marcado pelas revoltas sertanejas: os cabanos, os balaios, os sabinos. No final da década de 1840, com a derrota dos liberais mineiros liderados por Teófilo Otoni, dos paulistas, dos farroupilhas gaúchos e dos praieiros de Pernambuco, consolida-se o império conservador e escravocrata sob o comando paternal de dom Pedro II. Não obstante as encenações parlamentares daquele “teatro de sombras”, avançamos na liberdade de imprensa e expressão e tivemos políticos notáveis – Paraná, Uruguai, Nabuco de Araújo, Zacarias de Góes e Vasconcelos, Rio Branco. Na segunda geração emergem Joaquim Nabuco, Rui Barbosa, Tavares Bastos, José do Patrocínio. O Império, com todos os seus percalços, nos deu Machado de Assis.
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A República Velha não avançou nos direitos sociais, nem consolidou a abolição com a integração na vida nacional dos nossos antepassados negros e escravos. Manteve, todavia, os espaços parlamentares, ainda que falseados por eleições manipuladas e fraudadas. As contradições históricas fazem surgir no alvorecer no século 20 um estadista do porte de João Pinheiro. Manteve, sobretudo, a liberdade cultural que possibilitou Os Sertões, de Euclides da Cunha, as obras de Lima Barreto, as mais diferentes interpretações da formação brasileira, de Oliveira Vianna a Manoel Bonfim. A política externa ganha projeção no governo de Rodrigues Alves com o segundo Rio Branco. No campo interno, marechal Cândido Rondon desponta com uma proposta de desenvolvimento pelo interior do país que guardasse respeito no trato com os índios. Emergem o movimento operário e as primeiras greves no país. Explode na manifestação incontida do novo, na redescoberta das nossas raízes e identidade, a Semana de Arte Moderna, e com ela o mais democrático (pela compreensão da diversidade cultural de seu povo) e brasileiro dos nossos intelectuais, Mário de Andrade. Emerge a música popular brasileira refinada pelo olhar que se volta para nossas raízes.
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Os jovens militares expressam os sentimentos da classe média emergente e setores populares e deflagram o movimento tenentista, que teve o seu momento heróico com os 18 do Forte e de mergulho profundo na realidade dos interiores brasileiros com a epopéia da Coluna Prestes. Tudo isso e mais fatores externos levam à revolução de 30. O povo brasileiro prossegue na busca da liberdade e da justiça.