A REFORMA POLÍTICA E O OUTRO LADO DA ELEIÇÃO DE BARACK OBAMA


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A Rede Globo dá, com atraso, a mais importante notícia sobre as eleições presidenciais dos Estados Unidos.

Edmo Cunha *

Uma recente matéria no telejornal HOJE da Rede Globo noticiou que, juntamente com a eleição presidencial norte-americana, aconteceram mais de 50 REFERENDOS sobre diversos temas.

Para quem busca, como o Brasil de hoje, realizar uma Reforma Política, esta foi talvez a mais importante notícia sobre todo o processo eleitoral norte-americano. Isto sim deveria ter merecido a atenção da imprensa brasileira, que dedicou centenas de horas para falar sobre os dois candidatos principais (Obama e McCain). Só se esqueceram de dizer que lá, além de eleger os governantes, se pratica este saudável hábito de consultar os eleitores, em cada eleição, para que confirmem ou derrubem as decisões tomadas pelos poderes Legislativo e Executivo.

Enquanto vemos os EUA e outros países da América (Peru, Bolívia, Venezuela, Equador), além de diversas nações européias, realizando plebiscitos e referendos a todo instante - para confirmar ou retirar mandatos, para ratificar ou revogar Constituições, para confirmar ou derrubar leis - o sistema político do Brasil continua se negando a dar ao povo o direito de tomar decisões. Em 120 anos de história republicana brasileira, tivemos apenas 2 plebiscitos e 1 referendo.

Conseguimos construir a urna eletrônica mais moderna do mundo, do ponto de vista tecnológico, mas só a utilizamos para acelerar a votação e a apuração. Nada mais. Continuamos praticando a mesma democracia de 20 ou 50 anos atrás. Elegemos nossos governantes para que façam o que bem entendem, durante 4 anos. Depois nos resta apenas confirmá-los ou trocá-los, para que novamente outro governante mande e desmande por outros 4 anos. Nenhuma consulta é feita ao eleitor sobre como os governos devem se comportar. Nada que diga como devem, por exemplo, cobrar os impostos ou como devem investir os recursos públicos (com as raras exceções conhecidas). E as cibernéticas urnas eletrônicas à nossa disposição, mas guardadas em caixas a maior parte do tempo, quase implorando para ajudarem a aperfeiçoar a democracia tupiniquim.

O art. 14 da Constituição Federal, que prevê a democracia direta e a consulta popular via referendo, plebiscito e iniciativa popular de lei, foi regulamentado pela lei 9.709/98 (agora em processo de revisão, através do Projeto de Lei 4.718/04). Mesmo regulamentados, estes mecanismos têm dormido em "berço esplêndido". Existem para que não se diga que não existem. Ainda não ganharam vigor e nem se tornaram instrumentos que dêem uma nova qualidade à nossa democracia.

Já passamos da hora de aperfeiçoar o sistema democrático brasileiro. Eleger os governantes foi um direito conquistado por nossos tataravós. Cabe a nós, agora, a conquista de um novo patamar de cidadania, que muitos de nossos irmãos e vizinhos das Américas já conquistaram e têm praticado com sabedoria. Causa inveja ver os bolivianos, venezuelanos, equatorianos e norte-americanos decidindo seus rumos através de plebiscitos e referendos. Temos uma Constituição que o povo não referendou (exceto a forma e o sistema de governo), temos leis importantes que nunca foram submetidas à apreciação popular (exceto o uso de armas).

E não venham dizer que os nossos representantes sabem mais do que o eleitor ou que consultar o povo gera crise de governo. Este é um argumento que as velhas elites conservadoras sempre utilizaram para justificar a manipulação do eleitorado. Mas as novas gerações e as novas elites políticas precisam reciclar o discurso e a prática, adotando um sistema compatível com os tempos atuais. A democracia representativa (eleger políticos que nos representem) é necessária, mas não há nada mais antigo do que adotá-la como canal exclusivo de expressão do cidadão. Sem a democracia participativa e a democracia direta, temos apenas um velho sistema que usa a urna eletrônica somente para esconder o seu atraso. Ou damos um passo além, na Reforma Política que se tenta novamente fazer, ou vamos passar mais uma geração apenas repintando a moldura daqueles velhos retratos de nossos tataravós - que estão em tantas casas brasileiras - sem colocarmos nada mais criativo nas paredes.

A nossa democracia atual é apenas um velho quadro na parede. E como dói !


* Consultor em Gestão Pública e Social e membro do Fórum Mineiro pela Reforma Política
. .edmocp@uaigiga.com.br
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